Tinderela à procura do amor na era digital

terça-feira, 24 de novembro de 2015



Rafaela se olhou no espelho conferindo mais uma vez a sua imagem: os cabelos lisos e negros encontravam-se soltos por seus ombros, sombra rosa nas pálpebras, rímel nos cílios deixando-os mais longos e volumosos, blush nas maçãs do rosto, deixando-a com um leve bronzeado no rosto, brilho labial com glitter para chamar a atenção para sua boca, mas sem correr o risco de manchar os dentes. A única coisa que estragava seu visual, em sua opinião, eram os óculos de armação fina e em tom de vinho, que combinavam bem com seu rosto, mas ninguém quer sair pra um encontro usando óculos. Porém, não conseguia usar lentes, tinha pavor de qualquer coisa perto dos seus olhos, e sua miopia não permitia que ela se arriscasse a sair sem os óculos. Já era um pouco atrapalhada usando os óculos, sem enxergar direito? Era um verdadeiro desastre da natureza.
Checou o vestido longo e estampado, que lhe dava um ar elegante, mas ao mesmo tempo sexy sem ser vulgar, devido ao decote que lhe deixava o colo à mostra. Uma corrente dourada e fina com um pingente de estrela e brincos combinando, completavam seu look escolhido para a noite.
Agora que estava pronta, Rafaela sentiu certo desânimo abatê-la. Era o quinto encontro a que ia desde que instalou o Tinder em seu celular. Sim, você leu certo. Tinder. Um aplicativo que prometia acabar com as noites de solidão de pessoas solteiras e com tempo escasso para sair à procura do par perfeito. Ele cruzava as informações dos usuários, de maneira que lhes mostrava pessoas com interesses em comum e que moravam por perto.
No início, Rafaela se divertiu com os perfis dos usuários que o aplicativo lhe indicava, e ela se sentiu menos patética por apelar para algo assim. Afinal, existiam muitas pessoas na mesma situação que ela: sozinhas e com preguiça de sair por aí se arriscando a procurar alguém. O aplicativo facilitava o caminho, já que permitia que você conversasse com as pessoas o quanto quisesse antes de conhecê-las pessoalmente, assim quando chegava a hora de se verem ao vivo, já não ficariam tão sem graça um com o outro.
Mas, a verdade é que depois de algum tempo de conversa e alguns encontros mal-fadados, ela estava desanimada. No fim, o aplicativo não facilitava tanto assim a vida amorosa dela.
Rafaela olhou no relógio, respirou fundo e sacudiu a cabeça, tentando se livrar da nuvenzinha cinzenta que rondava seus pensamentos. Essa noite ela iria jantar com Eduardo, um cirurgião dentista em ascensão, que vivia tão ocupado quanto ela, mas depois de algumas semanas de conversa finalmente conseguiram sincronizar uma folga para saírem juntos.

***

Foram ao restaurante favorito de Rafaela, na Mooca. Por algum motivo, ela sempre escolhia ir ali, quando seus acompanhantes lhe davam a oportunidade. Talvez fosse a penumbra romântica, a música ao vivo, a comida que era excelente (italiana, claro!), ou a sobremesa favorita dela, uma taça de sorvete com frutas e calda de chocolate. O serviço também era excelente, apesar de sua vergonha por aparecer cada vez com um acompanhante diferente a impedir de olhar o garçom, o maitre ou a caixa, no rosto.
Esse era um dos motivos pelos quais ela apelava para aplicativos como o Tinder. Era tímida e se importava demais com o que as pessoas pensavam a seu respeito, mesmo que fossem desconhecidos que nada tinham a ver com sua vida. Compensava isso, sendo educada e generosa nas gorjetas. 
Eduardo puxou a cadeira para ela se sentar, e ela apreciou o gesto. Nenhum dos outros havia feito nada parecido, e ela achou que isso era um bom começo. Depois de se acomodarem, o garçom chegou para lhes entregar o menu:
- Boa noite - cumprimentou num tom formal. Rafaela gostava do som da sua voz que se tornava familiar, mas mais uma vez evitou olhar para cima, enfiando o rosto no menu – Sejam bem vindos, meu nome é Gustavo e vou servi-los essa noite.
Ele aguardou em pé, ao lado de Rafaela, enquanto eles escolhiam. Rafaela pediu o de sempre: a lasanha verde, acompanhada de suco de uva natural. Deixaria pra pedir a sobremesa depois. Eduardo sorriu e pediu o mesmo. 
Depois que o garçom se foi, Eduardo sorriu para Rafaela que retribuiu. A noite parecia que ia ser ótima.

***

Duas horas depois e Rafaela se viu desejando que um buraco se abrisse embaixo de sua cadeira e a sugasse para outra dimensão. Já havia desistido de implorar ao Universo pelo teletransporte há uma hora. Nunca imaginou que um homem tão bonito, pudesse ser tão chato. Sim, chato. Eduardo estava matando-a lentamente de tédio. 
Enquanto aguardavam pelo pedido, Eduardo começou a lhe contar sobre seu trabalho. Depois de meia hora, Rafaela parou de prestar atenção e começou a divagar, fazendo ruídos de incentivo quando necessário, mas sem participar efetivamente da conversa. Não que houvesse tido muita chance. Eduardo não parou de falar, nem quando a comida chegou. 
Nesse momento, ele lhe contava com detalhes como era feita uma cirurgia de correção do mento, usando termos técnicos, dos quais ela nunca ouviu falar. Claro, que ele não se deu conta disso. Por ser enfermeira, ele deduziu que ela estava familiarizada com a terminologia cirúrgica, mas a área de atuação dela era neonatologia. Ela entendia de bebês, não de placas feitas de titânio utilizadas para fixar o mento. “Que porcaria é um mento???”, ela se perguntava. Ao invés de prestar atenção em suas palavras, resolveu avaliar seu belo rosto, com seus lindos olhos verdes, barba escura e cerrada, seus lábios carnudos e beijáveis.. “Perae, ele tem um dente quebrado? Como é possível???”, observou com os olhos arregalados. 
De fato, Eduardo tinha uma ponta de um dos dentes da frente lascada, o que poderia ser charmoso, se ele não fosse um cirurgião dentista. A sociedade espera que eles tenham dentes impecáveis e luminosamente brancos. Não um dente lascado, ainda mais dos dentes da frente, que ficam visíveis. 
Nesse momento, Rafaela se rendeu e admitiu a si mesma que a noite fracassara. Por mais bonito que Eduardo fosse, ela não aguentava um homem chato, que só falava do próprio trabalho. E havia perdido o respeito pelo seu status de cirurgião, ao se dar conta de que ele não cuidava bem dos próprios dentes. Quando finalmente, ele terminou de lhe contar sobre o procedimento cirúrgico, ela manifestou seu desejo de encerrar a noite. Ele sorriu e fez sinal para o garçom, solicitando a conta.
Depois de pagar pelo jantar – ao menos isso, nos outros encontros, ela teve que dividir a conta - Eduardo, a conduziu até o carro. Ligou o rádio e sintonizou em uma estação, que àquela hora tocava músicas românticas, que estavam deixando Rafaela sonolenta. Quando estacionaram em frente à sua casa, Rafaela virou-se para se despedir de Eduardo, mas foi pega de surpresa quando ele agarrou sua cabeça com as duas mãos e enfiou a língua em sua boca. Com os olhos arregalados observou o rosto de Eduardo se contorcendo enquanto virava de um lado para o outro, mexendo a língua em todos os recantos de sua boca, no beijo mais esquisito e molhado que ela já havia experimentado. 
Depois de muito remelexo e saliva, ele a soltou satisfeito e Rafaela soltou um rápido boa noite antes que ele resolvesse repetir a dose. Ao entrar em casa, fechou a porta e correu para o quarto a fim de escovar os dentes e se livrar daquela sensação esquisita. Estava decidida a nunca mais repetir um encontro com Eduardo. Por sorte, podia sempre dizer que estava de plantão, caso ele resolvesse lhe convidar para sair de novo.

***

Após 4 meses de tentativas frustradas, encontros esquisitos e decepções, Rafaela finalmente resolveu excluir seu perfil do Tinder. Estava cansada de ficar a mercê de homens mal-educados (dois não se importaram de arrotar em sua frente), apressados (um deles tentou passar a mão nela, enquanto jantavam), mais baixos ou muito mais altos que ela (por foto, dá pra enganar né), parasitas (um deles queria se encontrar com ela... na casa dela, pois não tinha dinheiro para leva-la para sair) e workaholics que quando saem, só falam de trabalho (o tipo Eduardo é mais comum do que ela imaginava). 
Apesar de sua decisão, estava triste. Ela não havia conseguido encontrar alguém de quem gostasse realmente. Nem com a ajuda de aplicativos. Talvez, ela não fosse uma das pessoas que o Universo escolhia para ser feliz com outra, talvez seu destino fosse ficar sozinha. Mas era difícil aceitar isso. A vida toda se sentiu deslocada, e agora, mais uma área da sua vida mostrava que ela não se encaixava.
Com esses pensamentos pessimistas, colocou o celular na bolsa e seguiu para seu restaurante favorito. Precisava de uma taça dupla de sorvete com frutas e calda de chocolate.
Lá chegando, sentou-se no balcão mesmo, não havia razão para sentar em uma mesa, se estava desacompanhada. Tirou o celular da bolsa e ficou olhando para a interface do Tinder.
- Boa noite – reconheceu a voz de Gustavo, seu garçom favorito.
- Boa noite – respondeu sem olhar em sua direção – Hoje só quero a sobremesa, de sempre.
- Em um instante – Gustavo respondeu solícito.
Rafaela clicou em “excluir conta” e ficou encarando a tela do celular, enquanto confirmava. Agora só faltava excluir o aplicativo. Seu pedido chegou, mas ela não conseguiu tirar o olhar do celular. Tanto tempo desperdiçado com aquilo.
- Está sozinha, hoje? – ouviu Gustavo perguntar e apenas balançou a cabeça positivamente, sem olhar para ele – Finalmente!
Isso chamou sua atenção. Aquele rapaz estava zombando dela?
- Como é que é? – questionou e finalmente olhou em sua direção, espantando-se com sua beleza.
- Faz muito tempo que quero falar com você, mas você estava sempre acompanhada – Gustavo admitiu e Rafaela demorou um pouco para processar a informação de que aquele rapaz moreno e com um sorriso perfeito, daqueles de lado, estava falando com ela.
- Falar o quê? – conseguiu perguntar depois de pigarrear algumas vezes. Qual era o seu problema?
- Ah, várias coisas – seu sorriso de dentes brancos e perfeitos parecia brilhar – Você aceitaria sair comigo qualquer dia desses?
Rafaela ficou encarando-o enquanto tentava entender o fato de que aquele gato estava convidando-a para sair. Olhou para o celular mais uma vez e clicou em “confirmar”. “Adeus Tinder, valeu Universo” pensou enquanto se voltava para Gustavo.
- Eu adoraria – respondeu com um sorriso sincero.
Talvez o Universo finalmente lhe desse uma chance no amor. Ao menos as batidas rápidas do seu coração lhe diziam isso nesse momento. 


2 comentários:

  1. Oi Regiane! Que bacana conhecer sua história!! Quer dizer que você tem uma coletânea de crônicas de amor e contemporaneidade escondida aí no bolso? :)) Ahhh compartilha no blog sim <3

    Boas inspirações pra você! :)

    Bjs,
    Rebeca

    http://blogpapelpapel.blogspot.com

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    Respostas
    1. Ahhh quem me dera kkkkk mas estou começando a me aventurar no mundo das palavras. Sempre que bater a inspiração, pode deixar que vou compartilhar sim.
      Beijos

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Que prazer ter você aqui!!! Obrigada pela visita, se gostou do texto acima, me deixe um recadinho e o link do seu blog, será um prazer visitá-lo!!!

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