O que deixei de fazer por ser mulher

sábado, 25 de junho de 2016

No dia a dia da minha profissão, fico muito próxima fisicamente das pessoas, é algo meio que inevitável e isso pode causar alguns desconfortos, caso um paciente interprete de maneira errada essa proximidade. Já aconteceu inclusive, mas geralmente eu tiro de letra. Criada com 4 meninos, aprendi a me defender cedo e normalmente me saio bem de situações constrangedoras com o sexo oposto. 
Mas, às vezes as coisas não saem como esperamos. No início do ano passado, atendi uma senhora que era trazida ao ambulatório por familiares, dentre eles um genro dela, que desde o começo me lançou olhares cobiçosos, mas eu fingia não notar e me concentrava na paciente. Durante o tratamento dela, era comum quando ele a trazia, ouvir comentários do tipo: "olha a dra bonita". E eu continuava ignorando.
O tratamento dela terminou e achei que estava livre desse desconforto, até que um dia, estava a caminho da estação para pegar o trem em direção a São Paulo, onde atendia uma paciente particular, e perto da estação tinha de passar em frente a um grande portão, onde alguns homens estavam parados, entre eles o sujeito inconveniente, que me reconheceu e soltou uma gracinha. Continuei meu caminho, como se nada tivesse acontecido, mas um gosto amargo me invadiu a boca e uma friagem me tomou o estômago. Tinha percebido que ele usava o uniforme daquele lugar, então ele trabalhava ali.
Depois disso evitei fazer esse caminho e preferia sair de casa mais cedo e dar a volta por um caminho mais longo, do que passar em frente a esse lugar se precisava ir até a estação de trem. No começo, me esquecia e acabava tendo que passar por essa situação chata, mas eu engolia em seco e seguia meu caminho. Foram alguns meses tensos até que finalmente a estação mudou de lugar e eu pude respirar mais tranquila.
Sei que parece bobagem, e que eu devia era ter dado umas respostas mal criadas, me impondo, o que geralmente é o que eu faço. Mas, não sei, minha intuição me alertava de que eu devia manter o máximo de distância possível, que qualquer tipo de resposta poderia ser encarada como provocação e as coisas poderiam terminar mal para mim.
Foi uma das poucas vezes na vida em que senti medo real de algo acontecer comigo por ser mulher. Sou baixinha e perderia fácil num combate físico, mas sei que na hora da raiva a gente é capaz de coisas inimagináveis. O que nem sempre acontece quando a gente está com medo.
Não estou dizendo que ele seria capaz disso, até porque eu mal o conheço, mas por mais estranho que pareça eu tinha a sensação de que se desse bobeira com ele, acabaria me saindo mal da situação. Aquelas coisas de sexto sentido sabe? O meu nunca falhou e prefiro sempre seguir esse instinto que não tem uma explicação científica, mas que com certeza existe.
Estou compartilhando essa história, porque é um dos temas da blogagem coletiva do Clube de Cartas, mas também por conta de toda a banalização da violência em torno da mulher atualmente. Não sou uma feminista radical, não faço parte de passeatas nem nada do tipo, mas defendo sim o direito das pessoas (inclusive os homens) serem livres e libertas de julgamentos pejorativos do tipo: "ela procurou". Porque na verdade, na maioria das vezes, "ela" ou "você" ou "eu", não procurou nada não. Pode ser uma questão de estar à mercê da hora e lugares errados.
Fica para reflexão de nossas atitudes diárias, do quanto contribuímos para que uma cultura onde não podemos usar a roupa que queremos, só porque gostamos, se perpetue, manchando um simples gesto ou atitude por causa de julgamentos de quem não nos conhece.
Um beijo cheio de luz e bom fim de semana.

<3


4 comentários:

  1. Infelizmente, essa é a realidade que nós mulheres enfrentamos todos os dias. Eu já cansei de mudar de caminhou ou até mesmo trocar um horário para evitar assédios. Hoje em dia me vejo mais "respondona" sabe? Se algum homem faz gracinha, respondo de forma grossa e corto o papo na hora, mas nem sempre isso é possível porque a gente se vê acuada, com medo até de perder a integridade física.
    Adorei o seu post.
    Beijos,

    Hida :)

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    Respostas
    1. Verdade Hida e geralmente é o que eu faço, mas como você mesma disse, tem hora que a gente se vê sem saída.
      Beijos <3

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  2. Respostas
    1. Obrigada flor e seja bem vinda ao meu cantinho! Bjos

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